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Sobre criatividade e realidade

O teor do artigo de Neyza Prochet, com propriedade, ressalta o amor como atenção, abertura e disponibilidade para o estabelecimento da criatividade básica.

Assim como destaca a eterna busca do ser humano pelo encontro com o outro, como força viva do início ao final da vida.

 

Sobre criatividade e realidade

Neyza Prochet

 

A questão fundamental de um ser humano é ser a si mesmo. É um processo que dura a vida toda e que inclui a necessidade de criar e manter laços entre o que é vivido e o que pode ser inscrito no psiquismo de um indivíduo.

No principio, um bebê não pode ser distraído ou incomodado pelo mundo ou por outra pessoa. É fundamental que não haja nenhuma percepção nem de outro nem de realidade, pois necessita entregar-se despreocupadamente à experiência extraordinária de não ser. Este estado de indiferenciação entre o que é dentro e o que é fora, eu e não-eu, fantasia ou realidade foi designado por Winnicott de estado de “onipotência”, onipotência dentro da perspectiva do bebê, já que este estará no momento mais vulnerável de sua vida, totalmente dependente do ambiente.

Winnicott chama de elaboração imaginativa o fenômeno pelo qual o bebê consegue reunir e atribuir sentido à série de experiências vividas a partir da sua corporeidade, reunindo imaginativamente sua sensorialidade e impressões afetivas em um acontecimento que inaugura sua capacidade de representação e de integração psicossomática, dando a ele um corpo que possa habitar. (Winnicott[1],1966/1994)

Ele precisa que sua mãe lhe empreste sua própria capacidade imaginativa para garantir que ele tenha exatamente aquilo que venha a necessitar, um fenômeno descrito como “preocupação materno primária.” A criança, sustentada na interioridade da mãe, torna-se então capaz de criar imaginativamente uma ligação entre aquilo que deriva das pressões instintuais e o que acontece conectado a elas.

Se na relação mãe-bebê estabelecida, o bebê é apresentado ao limite e à realidade de uma forma amorosa, o movimento instintual do bebê de ir de encontro a algo, converte-se numa experiência que o enriquece com o encontro. “propiciando ao lactente e à criança aquelas condições que possibilitem as coisas como confiança e “crer em”…” (WINNICOTT[2], 1983/1963, P.88/89).

Se o bebê é apresentado ao ambiente através da intrusão, da ameaça de mutilação e perda do amor, a resposta do bebê será de uma reação à intrusão, onde existir só se torna possível através do retraimento ou do mimetismo com o elemento invasor, o falso self.

A qualidade do comportamento materno dá a coloratura (acolhedora ou invasiva) às elaborações imaginativas da criança favorecendo (ou não) a criatividade básica deste bebê. A onipotência quando pode ser experimentada cria na criança uma crença em uma capacidade mágica de transformar o sobrepeso da frustração. A elaboração imaginativa funda, pois não só a riqueza da existência psicossomática, mas é origem de toda criatividade.

Realidade e frustração passam a ser mediadas pela capacidade imaginativa do indivíduo e sempre que a realidade ficar demasiadamente pesada, este poderá buscar um refúgio na fantasia, no sonho, no brincar e na atividade criativa. Através destas experiências adquirimos a confiança de sermos capazes de ter uma “apercepção criativa” do mundo e onde a criatividade não é concebida pelo resultado de uma obra, pela coisa que é criada, mas se deriva da singularidade daquele indivíduo, da qualidade pessoal que aquele gesto possui para a pessoa.

[1] WINNICOTT, D.W. (2000). O apetite e os problemas emocionais (1936). In D. W. Winnicott (Ed.), Da pediatria à psicanálise – Obras escolhidas (pp. 91-111). Rio de Janeiro: Imago

[2] WINNICOTT, D.W.- Moral e Educação. Em: O ambiente e os processos de maturação, Porto Alegre, Artes Médias, 1983.

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