Gilberto Safra é o principal inspirador e professor da Academia Prosopon. Desde o início da década de 90, nós alunos da PUC e USP, reconhecemos a inestimável contribuição de Gilberto, tanto à área clínica quanto às artes, literatura, e outros campos culturais. Desta forma, decidimos gravar e guardar todas suas aulas, cursos e palestras. Quando, recentemente se aposentou do ensino institucional, nosso mestre, sempre a serviço da expansão da postura ética, decidiu criar uma plataforma EAD multidisciplinar, mas com foco na Pessoa Humana. Assim nasceu a Academia Prosopon, que significa Pessoa em grego.
Considero que Gilberto Safra é a fonte de um pensamento clínico original, que revolucionou os parâmetros do atendimento clínico, respeitando sua visão antropológica, consciente do momento atual da humanidade, e com uma perspectiva ética que nos guia sobre os caminhos a seguir. Esta concepção antropológica do ser humano, o concebe desde o início da vida, como um ser aberto ao outro, o que significa, que durante toda sua trajetória na vida, o ‘estar com’ é inerente a sermos pessoas. Desta forma, há um Outro, que permeia o Ser de cada um de nós. Portanto, não somos mônadas isoladas que se desenvolvem, mas somos sempre seres inter relacionados, vivendo com todos os outros seres humanos numa unidade conhecida como ‘comunidade de destino’. Ainda que mantendo uma singularidade que sempre revela algo relevante acerca da comunidade humana.
Da visão descrita acima, decorre uma postura clínica bastante particular e diferente da maioria dos atendimentos tradicionais da atualidade, exceto os que seguem o pensamento de Winnicott. A difusão de métodos e técnicas terapêuticas na atualidade expressam uma tendencia a tornar o terapeuta um profissional que oferece um método de trabalho que parte de uma clara separação entre o terapeuta e seu paciente. O método e técnica se torna a grande estrela do percurso clínico. Estamos em outro paradigma antropológico e ético. Por exemplo, nesta visão, a entrevista inicial, se define por uma situação em que o paciente aceita ou não as formas de trabalho deste terapeuta e, o valor que ele determina para suas sessões. Na visão antropológica em que assumimos estar em comunidade de destino com o paciente, o valor da sessão decorre de um diálogo entre estas duas pessoas. Da mesma forma o enquadre do tratamento será flexível e, derivado deste ‘estar e sentir junto’. Sem, paradoxalmente, que ocorra fusão dos seres singulares da dupla. Há como uma permeabilidade, e uma transicionalidade entre a subjetividade do paciente e suas fraturas, que o terapeuta acompanha, respeita e vive junto e, a objetividade que a ‘realidade compartilhada’ em certa medida sempre nos exige. Esta última, não pode, entretanto, ser o eixo da relação entre cliente e seu cuidador.
Concluindo o terapeuta ocupa este lugar que lhe permite ser um Outro dentro do paciente, que, enquanto o acolhe e aceita, o desafia, porque pressente quais os próximos passos que o paciente está pronto para dar. E, os vocaliza sutilmente para que a criatividade do cliente possa vislumbrar e se movimentar nesta direção que ele reconhece que precisa seguir. É uma dança um tanto paradoxal, onde os dois estão em ‘comunidade de destino’. Gilberto usa o termo knosis (esvaziamento de si), para expressar o modo como enquanto terapeutas precisamos nos preparar para a sessão, dissolver nossas camadas egóicas para que, deste lugar de humildade, possamos aprender com nosso paciente os passos que podemos dar com ele para ele realizar sua vocação e, sua missão.
Estudando com Gilberto Safra na Academia Prosopon, aprendemos a nos posicionar neste lugar que nos permite sermos os cuidadores dos adoecimentos que nosso momento histórico-social manifesta, derivados de fraturas da nossa condição humana, para nos tornarmos cada vez mais, terapeutas éticos. Neste momento, abrimos ao paciente sua espiritualidade, pois, pode chegar à sua transcendência e à sua postura ética, em relação ao outro e à humanidade.
Na Academia Prosopon estudamos muitas matrizes clínicas de psicanalistas, sobretudo de Winnicott; também vários filósofos como Florensky e Simone Weil, literatos como Adélia Prado, Clarice Lispector, Fernando Pessoa, entre muitos outros. Sempre visando adquirirmos recursos e sensibilidade para nosso olhar clínico. Mas, também, visando, ao lado de absorver suas contribuições, nos adaptar às novas formas de sofrimento contemporâneo, à singularidade do nosso cliente, sempre reconhecendo as exigências éticas da condição humana, hoje tão ameaçadas.
Como expressa muito claramente Gilberto Safra, o ser humano vive no tempo finito, mas, tem em si a noção de infinito, a experiência do infinito. O problema é que as emoções fortes que sentimos tendem sempre ao infinito e, desta forma se tornam ‘agonias impensáveis’ dentro de nós. Aprendemos nestas aulas e cursos que, para praticarmos uma clínica ética jamais podemos assumir um protocolo padrão, uma técnica ou método a priori. Criamo-nos como terapeutas, junto a cada novo paciente que nos chega, para podermos dar espaço para o paciente se criar como Pessoa, durante nosso processo terapeutico-comunitario.
Tentei resumidamente mostrar o alcance deste aprendizado que a Academia Prosopon disponibiliza para todos clínicos ou candidatos a clínicos. Poderíamos ampliar este público-alvo para todos que se relacionam profissionalmente ou particularmente com uma outra pessoa, em termos de cuidado. Pergunto-me em que outro lugar se pode aprender todas estas dimensões e, muitas outras, de uma clínica ética, que permite destinar a dor para um lugar de paz e amorosidade?
Uma resposta
Esse lugar é realmente impar para a visão do ser humano, quero muito trilhar essa jornada com esses grandes mestres, obrigado Gilberto por ser o condutor.