O que faremos daqui pra frente decidirá o quanto usaremos a tecnologia a nosso favor
ou seremos usados por ela, comprometendo qualidades definidoras do que é ser humano
Nunca houve, na história da humanidade, um vício tão disseminado quanto o do celular. Não é difícil de entender que isso esteja acontecendo quando consideramos (1) os incontáveis atrativos que o celular oferece, (2) os mecanismos ligados ao vício e (3) nossa própria constituição existencial.
Por constituição existencial eu me refiro ao fato de sermos, por definição, entes inacabados que experienciam a falta, o vazio, o nada. Se por um lado isso representa uma porta para a verdade de si e da própria condição humana, por outro é um desafio, pois nos lança na experiência da angústia.
Daí a tendência a se preencher compulsivamente para amortecer a angústia de ser. Comendo, bebendo, fumando, drogando-se, falando, fazendo compras, sexo, maratonando séries, rolando telas, estando sempre ocupado, enfim, qualquer coisa que ajude a se anestesiar, a disfarçar nossa realidade de nós mesmos.
Ocorre que tudo que fazemos repetidamente, independentemente de ser bom ou não para nós, tende a se perpetuar. Assim é com nossos pensamentos, emoções, preferências, comportamentos, hábitos, manias e, obviamente, dependências. Quanto mais fazemos algo, mais difícil é deixar de fazê-lo. Nosso sistema sente falta do que está impregnado.
Este é o ser humano que o celular encontra ao chegar. Em poucos anos, a novidade passou a ser objeto pessoal “obrigatório”; condensou funções que antes correspondiam a inúmeros equipamentos e agregou outras; prestou-se perfeitamente às redes sociais e segue absorvendo os avanços tecnológicos do mundo virtual.
As redes sociais, por sua vez, são um capítulo à parte. Com seu mecanismo dopaminérgico – reforço intermitente na rolagem de tela somado à nossa avidez por novidades –, a compulsão não precisa mais de um evento deflagrador como a insinuação da angústia: ela já habita todos os espaços possíveis. No elevador, no vaso sanitário, no semáforo, nas refeições, enquanto aguardamos algo, inclusive em situações compartilhadas, onde cada um se recolhe em sua própria tela, ausentando-se da interação. Cenas tão frequentes que quase não parecem se tratar de um vício.
A ausência de espaços vazios, de momentos de não ocupação e de silêncio é mais danosa do que possa parecer. Esses momentos são essenciais para nos conectarmos a nós mesmos, transitarmos pela nossa interioridade, estarmos conscientes dos nossos pensamentos e sentimentos. A era da conectividade trouxe o risco da desconexão consigo mesmo.
Além disso, o mundo que vemos nas redes sociais, pré-determinado pelo algoritmo, nos torna cada vez mais manipuláveis. Isso tem servido a interesses econômicos e políticos muitas vezes sem qualquer compromisso ético, e tende a se agravar com a tecnologia capaz de “ler” nossas reações e nos apresentar uma “realidade” manipuladora a ponto de nos fazer acreditar que somos o sujeito de nossas escolhas e decisões, quando, na verdade, é precisamente o oposto que está acontecendo – quase como num Truman Show.
Para encerrar esta breve reflexão, é importante lembrar que os efeitos negativos do uso excessivo do celular não param por aí. Outros prejuízos incluem o comprometimento da saúde mental, distúrbios da atenção, perda de qualidade do sono, problemas de autoimagem e autoestima, isolamento social, problemas físicos, interferência na produtividade, desconexão com a realidade, impacto nas relações interpessoais, efeitos cognitivos a longo prazo e implicações no desenvolvimento infantil e adolescente.
A era da conectividade exige uma nova sabedoria: saber quando e como se desconectar.
Respostas de 3
Parabéns, Luiz Claudio!
Reflexão oportuna e necessária para os tempos atuais!
Bom dia, entra porque há uma porta aberta entendo que o coletivo está desconectado de si mesmo, e assim sendo a tecnologia atua de forma polarizada, ao invés de integrar divide,
perdendo o sentido de evolução . Estamos aprisionados …numa caverna de Platão.
Esta pandemia é um simbolo importante que não está sendo reconhecido!
Luiz,
Seu texto além de primoromente escrito trata uma carga de reflexão e “denúncia” importantíssimo. Parabéns